quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

manual de atuação de palco - para atores e não-atores

que todas as coisas grandes sejam
deveras grandes:
     exacerbadamente

miúdas.
     sutis.

     para a pessoa
     não há ilusões de si.

apenas gestualidades, - inatas.
circunstâncias.
     ignorâncias convictas e

débeis

          convicções.

     não forces que o homem e
     nem que a mulher
     sejam mais do que são. apenas sê. tanto ou tão pouco quão.

~~~

a tortura, por mais que provoque o sangue,
não sangra. transparece.
reluz.

     quase indelével.
          no entanto,
o céu não enxerga, nem
o púlpito,
     nem o público
     tbm.

é tudo como se sumisse por trás da cortina escura,
     aberta,
     por detrás do palco.
por dentro de si.


(         não forces que se abra ela anterior ao exato tempo.
às 17h30 ou às 9h20.
     o relógio é um aspecto inexato,
     mas o tempo certo
     não;
          ele acerta-se
          medido.     )

~~~

não faças rasuras, borrões,
     nem transliterações
que não
     se exijam.

     a realidade é crua. é pouca.
     exige desesperança
     e simplicidade.

não exijas de ti, ainda, o que não podes
nem do outro o que tu saibas.
tem apenas o domínio,
- não de si.
     apenas o domínio,

o chão,
o palco,
o
voo,

       o éden e o hades
para além da minha e da tua
         compensação.

~~~

não queiras mais do que devas querer
mas tbm não deixes de sonhar além,
preso à atmosfera
única
     de quem tu
és
de agora em diante
e a jamais.
     sê curto e mesquinho,
     mas humano.
     mas doente.
liberto.

~~~

ninguém fala de trás para frente,
não fales tbm.
     ninguém ainda pousa, na vida, para fotografias
     flagrantes, não pouses ainda tu.

ninguém ouve a música senão por ouvi-la. ninguém
crê-la entendida. a música é que atra-
vessa,
     lança,
     ela mais mata
do que fala.
cala-te.

~~~

se puderes quebrar o joelho, deveras,
quebra. mais vale acabar a peça
que não sacrificar,
     - mesmo as tuas partes íntimas, aquelas que temes expô-las.
mesmo as tuas nádegas e o interior de teus dentes,
todo o teu nojo. dá a quem olha o
prazer
          de doer,

imaturamente.

~~~

quem sabe tudo despenque.
não é notório que as hastes derribem-se ao
sopro feroz.
     abandona tudo.
     prostra-te ao chão
e determina o que é teu: o espaço. o teu espaço.

~~~

não chores quando não tenhas lágrima.
é perigoso. te intimida! embora,
não vivas
     senão a vida em ti.
     ela tbm sabe reagir exatamente ao chamamento,
e não o deduzas tu.

é tão triste fadar as coisas a molduras.
elas nem sempre complementam
a tinta.
     às vezes as coisas são aéreas
e serenas.

~~~

se te perguntas, com que cabeça o fazes?,
com que imbecilidades?,
as tuas
     ou as em ti?

agoraemdiante é todo o processo:
não te suicides, por favor!

amanhã te serás novamente, - ou ainda um outro:
ninguém se conhece deveras, nem ao outro.
     quem dera eu pudesse te contar!

~~~

as expressões demais absurdas, nem toda a maquilagem do mundo,
     essas coisas são tão indiferentes diante
da poesia
instantânea
das
forças!
não te faças. sê!

~~~

     olha marília pêra.
     binoches. montenegros. olha
     desconhecidos,
mas olha bem retamente aos olhos
e pro palco. pros pés,
pras pernas
e pros vocais. o que é mais que isso é só o mais.
vive no mais, não lhe faças
o teu todo nem
     teu eu.

não vale a pena.
     o ouro não vende a sinceridade.
     tudo o que brilha
     é pó,
          a não ser o que é plasma,
          o que é estrela.

~~~

por favor, não creias em palavras mortais,
nem os maiores e medíocres elogios.
tem fé

     ou melhor, perde tua fé,
     a não ser que tua fé seja a mesma de quem tu te sejas lá.
as pessoas sorriem por quaisquer banalidades
e a maioria delas é conveniente demais
para entender-te a
     insalubridade.
          deixa-as crer apenas, não te sintas
obrigado
a te explicar.

~~~

e se tudo isso não funcionar.

dorme,
     é bem melhor
     a ti fazê-lo.

~~~

por sobre a amarga distância, pois então,
aproxima-te.
     morre somente quando é necessário morrer.
     antes disso, tudo é vivo,
vibra.

se o coração não aguentar, estoura!
explode!
     teus fragmentos levarão à
morte
     muitos.

     até mesmo os incrédulos. até mesmo os invisíveis
          luzirão!

~~~

da carne, tu tens todo o teu mérito.
tu'alma tbm é pó, - ali,
     não penses tua moral além
     da realidade diária
da vida
e da morte.

e por isso: faze a "chapinha", usa
as tuas lentes multicoloridas;
     mas não tenhas nada com elas, nenhuma intimidade.
     tem nas mãos o mundo e não
a preocupação de o não teres. é tão medíocre não te aceitares
          tanto quanto a morte
     que virá um dia te embalar. sê sábio

     diante das coisas.

~~~

nenhuma leitura é pouca, nem do mundo, nem dos livros.
não é necessário entenderes, mas ver.
aprender.
     qualquer coisa
     pela observação e conservação

da história.

~~~

e quando um momento não tiveres nada,
nem a ti mesmo dentro de ti,
 - e por isso sofrerás -,

     e quando um momento te saberes:

é teu o domínio.
     tu estarás.

e ninguém, ninguém no mundo
te poderá

               jamais

          derrubar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário